Maurício Adinolfi: MARÉ

* 27.03–27.04.25 *

Maurício Adinolfi: MARÉ * 27.03–27.04.25 *

MARÉ é um registro do projeto site-specific homônimo de Maurício Adinolfi, realizado durante residência artística no Instituto Sacatar, em Itaparica, Bahia, entre outubro e novembro de 2017. Nesse trabalho, um barco antigo, retirado do mangue e desterrado, é colocado em frente ao mar e suspenso por cabos marítimos em um tronco de árvore amendoeira. A edição do vídeo e som da videoinstalação Maré é de Wagner Morales.

Os vídeos são exibidos lado a lado, com cerca de 6 horas cada, correspondendo ao tempo dos movimentos da maré: a cheia e a vazante. Enquanto um vídeo segue o percurso da cheia ao limite da vazante, o outro registra o caminho da vazante até a cheia completa.

Durante esse processo, uma bomba d'água instalada na proa do barco, aciona seu motor conforme a maré muda. Quando a maré sobe e se aproxima do barco, o motor é ligado, e a água começa a escorrer pelo interior da embarcação, permanecendo ativa até o ponto de transição para a maré vazante, quando o mar começa a se distanciar do barco.

A câmera, posicionada em dois pontos estratégicos e gravando de forma contínua, não apenas documenta o movimento do barco e a lenta transformação do nível da água, mas também capta o cotidiano da praia – o trabalho e o lazer, as marisqueiras, os pescadores, a passagem de barcos e canoas, os banhistas, os pássaros e outros animais, criando um retrato da vida no litoral em constante mudança.

Sobre o artista

Mauricio Adinolfi (1978 em Santos, SP). Vive e trabalha entre São Paulo e Santos, SP. Possui graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP. Doutor em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP, com intercâmbio e residência artística na Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico do Porto, Portugal.

Sua pesquisa e prática artística desenvolveu-se a partir da experiência com a construção naval e as comunidades litorâneas em diferentes contextos. Abordando situações críticas decorrentes das transformações sociais e da exploração dessas comunidades, Adinolfi fez da pintura e do uso da madeira como suporte o mote para a aproximação com outros profissionais, a viabilização de trabalhos colaborativos e de intervenções urbanas das mais distintas escalas em diversas regiões do Brasil e do exterior.

Na pintura, o artista partiu de sua pesquisa com iconografias marítimas e navais como um primeiro disparador para ressignificar importantes movimentos da abstração geométrica. São emblemáticas suas séries de "Teoremas", em que a investigação do gesto construtivo e a aplicabilidade da cor permitem que o artista tensione cânones estabelecidos.

Seus trabalhos recentes abordam os limites do figurativismo e trazem uma laboriosa experimentação do uso da tinta e da cor. Adinolfi resgata uma série de fragmentos de madeiras de suas instalações como suportes para pinturas em menor escala, muito atentas a elementos prosaicos, ícones da história da arte e ao uso popular da cor.

Em 2014, ganhou o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea. Dentre suas diversas exposições individuais e coletivas, destacam-se, em 2021, a realização da instalação "Caronte Sete Voltas" no Beco do Pinto, Museu da Cidade, São Paulo/SP, e, em 2019, a exposição "Cavername" no Museu Nacional Soares dos Reis, Porto/PT. Suas obras integram importantes coleções institucionais, como o Museu de Arte do Rio (MAR) e a Coleção da Cidade, Centro Cultural São Paulo (CCSP).

Exposição: MARÉ, de Maurício Adinolfi

Abertura: 27 de março de 2025, das 19h às 22h 

Visitação: até 27 abr 2025, ter e qui (exceto feriados), 11h–18h, ou por agendamento via email: info@orlando.art.br

Endereço: ed. conde andrea matarazzo, sala 711, são paulo, sp, brasil
entrada 1: al. casa branca, 35 – aberta / open 24h
entrada 2: av. Paulista, 1499 – seg–sex / mon–fri, 8h–16h30

Corpo que inunda, tempo que transborda.

por Giovanna Bragaglia

Aqui dentro, o mar. Num prédio comercial, no coração financeiro de São Paulo, a Avenida Paulista. Aqui, onde o tempo pulsa acelerado, irrompe um outro tempo — o tempo das águas de Maré, de Maurício Adinolfi. 

Nas duas telas, lado a lado, um barco de madeira paira em frente ao mar, suspenso nos galhos de uma imensa amendoeira que emoldura a paisagem à beira mar. Corpo náutico deslocado em seu próprio lugar, transborda o que parece nele não caber. Ao seu redor, a vida: crianças, pescadores, capoeiristas. Pássaros, latidos de cachorros, vento e ventania. São pequenos gestos de permanência e improviso diante da fluidez inevitável das horas do dia.

Tempo tempo tempo tempo¹. 

O tempo das marés, que não acelera nem atrasa, apenas cumpre seu ciclo. Ou o tempo da cidade, que se impõe, que corre, que esgota. O tempo incendiado da cultura, que transforma o espaço e impõe ao mundo moldes artificiais, deslocando tudo aquilo que não cabe em sua lógica. 

Vilém Flusser, em Natural:mente, leu a cultura como estratégia contra a natureza, um artifício que tenta domesticar o mundo e impor-lhe significados². Mas e quando o mar entra? Quando o tempo das águas atravessa o concreto e desloca o que parecia fixo? 

Corpo que já não pertence inteiramente nem bem à terra, nem bem ao mar. 

Habita um entrelugar, escorre entre o natural e o cultural — não como oposição, mas como infiltração.

Na cidade, o tempo que se acumula e se consome. Aqui, navegações movem-se na lógica da eficiência, enquanto o mar opera no ritmo de um pacto mais antigo. A maré sobe e desce sem urgências, sem demandas. E, às vezes, como agora, encontra seu modo de transbordar e nos invadir e nos lembrar que na cheia, inunda e vaza. 

Notas

¹ Referência à música Oração ao Tempo, de Caetano Veloso.
² “A observação da chuva pela janela é acompanhada de sensação de aconchego. Lá fora, os elementos da natureza estão em jogo e sua circularidade sem propósito gira como sempre. [...] Quando observo a chuva pela janela, não apenas me encontro fora dela, mas em situação oposta a ela. Tal situação caracteriza cultura: possibilidade de contemplação distanciada da natureza.” (FLUSSER, Vilém. Natural:mente. São Paulo: Duas Cidades, 1979, p. 35).